Design é qualidade, é conhecimento, é cultura.
Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

+ Argumentos pela Regulamentação

- Desde quando você começou a trabalhar no projeto?
Ao me aproximar da graduação, ao final dos anos 60, já discutíamos na ESDI as conseqüências de se profissionalizar. Eu e colegas que se formaram nas primeiras turmas já fazíamos tentativas junto ao CREA para conseguirmos um registro profissional, assim como os arquitetos e engenheiros. O primeiro projeto enviado a Câmara data de 1980 e já tínhamos uma associação profissional/promocional em funcionamento que apoiou esta iniciativa, mas sem sucesso.
A atual ofensiva começou em 2003 quando do último projeto, de autoria do então Dep. Eduardo Paes PSDB/RJ, (hoje prefeito do Rio) que tramitava em sua primeira comissão do Congresso, recebeu num mesmo dia  parecer favorável e contrário, de sua relatora a Dep. Iara Bernardi do PT/SP. Iniciamos uma ofensiva com um abaixo assinado, promovido por várias associações de classe que reuniu mais de 60.000 assinaturas. Isso não adiantou muito pois foi arquivado, antes de sua primeira audiência pública. Logo que isso aconteceu, iniciamos uma discussão mais ampla a fim de produzir um projeto mais adequado do que o último e que representasse melhor a classe, junto a sociedade.  Daí o projeto atualmente em tramitação.

- Por que você defende esse projeto?
Vivemos em um país onde tudo é regulamentado, até as leis, por maior que isto seja um contra-senso. Temos esta tradição e esta cultura. Mesmo que não se goste disso temos que conviver com essa nossa realidade muito peculiar, forçados e a contragosto. É comum se falar em leis não estarem em vigor, mesmo assinadas e publicadas, pelo fato de não estarem regulamentadas. Talvez por isto tenhamos este péssimo hábito de leis que pegam ou não pegam, não sei. Toda a nossa estrutura é montada em cima deste fato. O design para existir como profissão plena, também precisa ser regulamentado, como qualquer outra profissão semelhante. Depois de mais de 30 anos de luta os designers merecem isso!

- Quais serão os benefícios dele?
O designer passará a ter registro profissional e a existir de fato como qualquer outra profissão. Passará a ter direito a planos de carreira e de aposentadoria no poder público (municipal, estadual e federal), pois estes são grandes usuários especialmente de design gráfico; poderá participar de concursos públicos, concorrências e licitações (o que atendem especialmente a esse setor); poderá assinar uma ART - Anotação de Responsabilidade Técnica e poderá ser responsabilizado perante o Código do Consumidor (o que atende aos clientes do designer bem como aos consumidores em geral); poderá ser perito em ações de propriedade intelectual, especialmente referentes a design (o que atende aos próprios profissionais e seus clientes); poderá ser banido da profissão se utilizar de atitudes antiéticas, como plagio por exemplo, reduzindo-se assim o risco de sua utilização (design é uma profissão de risco), dentre outras vantagens para a sociedade como um todo.

- Não vai burocratizar demais a profissão?
O grau de burocratização é o mesmo que envolve o uso de engenheiros, arquitetos ou advogados. Estes custos já são absorvidos por todos e continuarão a sê-lo. Hoje o poder público tem que se utilizar de intermediários, como as agências de publicidade, para contratar design. Só ai, com a contratação direta, se economizará pelo menos 15%, que é a taxa mais comum cobrada pelos publicitários, na intermediação, de serviços junto ao poder público.

- Não é um caminho inverso? O jornalismo acabou de desregulamentar a
profissão?
Acontece que o jornalismo é diametralmente oposto do design. A formação profissional é necessária, mas a atividade de escrever para a imprensa não se limita aos jornalistas, fato que eles fizeram valer ao longo de décadas. Qualquer profissional especialista escreve melhor sobre sua especialidade do que um jornalista generalista. Além disso, não há outras experiências de desregulamentação em curso, o que demonstra o caso particular do jornalismo. Não há como desregulamentar tudo! Mesmo em países como os USA onde não havia regulamentação (accreditation) para o design estão discutindo o fato, neste momento de informática generalizada onde todos podem fazer design, quase sem restrições, mas com muitos riscos.

- A gente sabe que a maioria dos designers acima de 40 anos não é designer e
foram eles que fizeram a profissão se firmar.  Por que agora um arquiteto, por exemplo, não poderá trabalhar como designer?
Não concordo com esta afirmação. Muitos dos designers com mais de 40 anos tem formação plena em design, já que na década de 70 já existiam 30 cursos superiores diferentes no país.  A formação em nível superior vai completar 50 anos proximamente e tem contribuído decisivamente para o desenvolvimento do país. É claro que houve e há uma grande contribuição dos arquitetos ao design brasileiro, especialmente o gráfico ou de mobiliário exclusivo, mas este é um fenômeno muito restrito a São Paulo, pela existência até a pouco da sequência de disciplinas no curso da FAU/USP. Há uma tendência a isso se restringir no futuro. A própria FA/USP desistiu desta filosofia e tem atualmente um curso de Design pleno, separado do de arquitetura. Os arquitetos recém formandos que quiserem fazer design podem fazê-lo, mas com o mesmo direito que nós temos em fazer arquitetura.  O arquiteto brasileiro é formado para construir e não para fazer design.  Se quiserem fazer design de verdade, inscrevam-se em um dos 500 cursos disponíveis no Brasil. São mais numerosos do que os de arquitetura (aprox .300). O projeto de lei prevê que quem exerce a atividade mesmo não sendo formado pode se registrar, desde que prove este exercício nos últimos 5 anos.

- O mercado também é formado por muitos autodidatas, que também ajudaram a
firmar a profissão, por que daqui para frente ser autodidata não vale mais?
Design é fator estratégico para o desenvolvimento do país. Que o digam os europeus e americanos, os japoneses, os coreanos e mais recentemente o chineses. Precisamos é de profissionalismo e ser autodidata não é mais realista nos dias de hoje. Há uma profusão de cursos que encurtam o seu caminho para o design e espalhados por todo o território nacional. Não há por que optar pelo autodidatismo que é mais penoso e demorado. Design se faz com tecnologia, com conhecimento, com experiência e principalmente com informação e formação adequada. É assim que contribuirá para uma sociedade melhor em termos de cultura material. Design não é luxo ou diletantismo que pode ser suprido por curiosos ou criativos sem compromissos assumidos com a ética e a competência. Que tal voltarmos ao autodidatismo na odontologia, na engenharia ou no direito? Então porque no Design???

 Você não perguntou mas gostaria que soubesse que este projeto foi elaborado por um comitê e foi assinado por representantes das seguintes associações, algumas delas com mais de 20 anos de funcionamento:
ADG/Brasil - Associação dos Designers Gráficos
ADP - Associação dos Designers de Produto
AEnD - Associação do Ensino do Design
ApDesign - Associação Profissional dos Designers do Rio Grande do Sul
ADEGRAF - Associação dos Designers Gráficos do Distrito Federal
APD – PE - Associação Profissional dos Designers de Pernambuco
É a primeira vez que temos tramitando um projeto de consenso e representativo da classe dos Designers brasileiros!

Entrevista dada por Email a Maria Edicy Moreira; edicy@bdxpert.com em 23/05/2011

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Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009